quarta-feira, 16 de novembro de 2011

10 músicas para roer no fim de um relacionamento (parte I)

Todo mundo já sofreu por amor. Que atire o primeiro CD de Adele aquele que nunca sentiu uma pontada de angústia por perder aquele ou aquela que considerava o grande amor de sua vida. Tolstói disse, em Anna Karienina, que "toda família feliz é igual, mas toda família infeliz é infeliz à sua maneira". No amor, todo sofrimento é gêmeo univitelino. De repente, após o fim, aquele seu namorado barrigudo, bronco, sem futuro e vesgo torna-se a pessoa mais querida do mundo. A dor da perda do ser amado é atroz, porque a pessoa morreu, mas continua viva (não, não estou falando de zumbis). Morreu, porque não faz parte da sua história, não compartilhará intimamente seus momentos de alegria e tristeza, não farão mais planos juntos. Viva, porque ela continua por ali, serelepe, seguindo com a própria vida, sorrindo, frequentando academia, bares e boates SEM VOCÊ. Nessas horas, o jeito é afogar as mágoas com os amigos, no trabalho, no chuveiro, no sorvete, na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê. Pensando em facilitar a vida de nossos leitores e leitoras, a equipe de Tempos Interessantes, composta apenas por mim, decidiu fazer uma coletânea de dez músicas infelizes, compostas naqueles momentos de miséria humana, quando o amor acaba e fica apenas a amargura de uma existência infeliz e sem sentido. Ei-las, então:

1. Qualquer canção de Adele. Em primeiro lugar, ela, a rainha da depressão, a arauto de dias negros, o corvo das más notícias, a coveira do amor. Adele encanta, porque é sem vergonha. Ela sofre, ela chora, ela se descabela, ela pede para voltar, ela diz que a vida acabou. Adele consegue traduzir com exatidão todos os sentimentos que pipocam após o término de um relacionamento: tristeza, mágoa, raiva, frustração, desesperança, infelicidade e por aí vai... Qualquer música de Adele, vejam bem, QUALQUER música, versará, de uma forma ou de outra, sobre aquele/aquela filho de uma jumenta que te deixou na merda completa. Escutar Adele é, com certeza, poupar o tempo de traduzir em palavras os dias negros que o fim de seu relacionamento trouxe.


2. Dido - White flag. Dido não tem a melhor voz do mundo. Vocalmente, ela nunca irá surpreender você. Não há agudos, não há vibratos, não há variações de tom, mas há muita tristeza e lamentação. Nessa música, há o amor que ficou depois do cretino ou cretina ter lascado sua vida. É uma canção sobre a capacidade de um cara-de-pau, depois de ter estragado tudo, chegar até você e dizer que ainda te ama. Veja bem, se você é a vítima indefesa, a música não serve para você, mas, se você é a pessoa que bagunçou tudo e está arrependida do que fez, pode escutar à vontade e se lamentar pelo dia em que nasceu e se tornou um completo inepto para relacionamento e as coisas do amor. E pode ter a certeza de que teu ex realmente deseja que você "afunde com esse navio".


3. Abba - The winner takes it all. Quando as primeiras notas do piano começam a tocar, você já sente vontade de pular da ponte. "The winner takes it all" versa sobre o jogo do amor. Como toda competição, há vencedores e perdedores. Essa música, é óbvio, é cantada por um infeliz perdedor que, certamente, não estará na próxima temporada de Glee. Não se trata, porém, de um bad loser. O cidadão ou cidadã admite a derrota, aceita o fim, veste a capa da vergonha e humilhação, curva-se ante o fato consumado do fim. É uma música para ser cantada quando sua auto-estima não vale R$ 2,00 no mercado de pulgas ou na liquidação de garagem.


4. Jacques Brel - Ne me quitte pas. "Ne me quitte pas" é o fim. É o último suspiro do moribundo, é a porta dos desesperados, é o discurso do advogado da CNBB durante a sessão do STF sobre o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo, é o último "continue" do jogo de vídeo game. É, enfim, a última tentativa do infeliz que está prestes a perder o amor de sua vida. Tais constatações são patentes, porque a pessoa promete mundos e fundos para a amada que se vai pela porta da frente, certamente levando até as panelas da casa. Não sei vocês, mas consigo imaginar o sujeito agarrado à barra da saia da amada, repetindo abobada e desesperadamente "ne me quitte pas", enquanto, indiferente, a cretina vai embora.


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Aguardem a próxima postagem com as seis últimas canções que farão os desprezados cortarem os pulsos.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Do Jardim e Outros Demônios


José se encantou por Maria desde o primeiro momento em que pousou a vista naquele belo rosto. Diz que a viu, mas não a enxergou muito bem, porque José tinha sérios problemas de visão. Foi, então, amor à primeira cegueira. Vieram, assim, as borboletas. Aqueles insetos conhecidos de todos os apaixonados e que teimam em fazer casulos em seus estômagos. José não podia tossir, que lhe saía voando uma borboleta pela boca. Era muito comum que as pessoas, ao conversarem com José, saíssem catando asas dos cabelos e tirando aquele pozinho do rosto.

Um dia, José e Maria se beijaram. Trocaram borboletas, na verdade, uma vez que Maria também amava José. Foi um dia deveras inesquecível, pois a amada dissera-lhe que ele tinha orelhas de velho. Eram umas orelhas um tanto grandes, de abano mesmo. Aquela observação, entretanto, não foi um insulto, porque Maria achava que as orelhas de velhos eram, de fato, as mais bonitas. Beijaram-se pela primeira vez. Começou, a partir daí, o fim de José.

Conviver com as borboletas não era difícil, mas, agora, havia também as flores. Cada passo dado fazia brotar um lindo jardim florido. José, que era professor, precisou pedir licença, porque os funcionários da limpeza estavam exaustos de, todos os dias, tirarem imensos jardins das salas de aula. A casa de José virou uma espécie de Campos Elísios. Grande ironia, já que, segundo a mitologia grega, é lá que habitam as almas dos bondosos de coração. A diferença era que José estava muito vivo.

José fazia brotar o jardim, Maria, por conseguinte, era a jardineira. Era ela a razão de ser de todo aquele esplendor de rosas, flores, plantas e borboletas. O amor de Maria era o terreno fértil onde surgia a vida engendrada pelo coração de José. De repente, o universo de José virou um imenso mundo perdido, um jardim secreto, mil vezes mais bonitos que aqueles da Babilônia. Agora, não havia apenas borboletas e flores. O amor de Maria e suas constantes visitas deram-lhe um Éden de presente. Aquele era o mundo a que pertenciam os dois amantes. Não havia, em lugar conhecido, terra mais bonita. José, agora, dedicava-se apenas a esse jardim, devotamente. Era fruto de seus sentimentos, era a tradução da força que fazia pulsar sua alma.

Um dia, Maria não apareceu como de costume. José esperou sentado, próximo a um riacho que brotara dias antes. José esperou, mas Maria nunca mais apareceu. O mais curioso é que, a despeito da ausência, o jardim continuava a brotar com toda fúria. Nada morria, não caía uma única folha ou flor. As borboletas multiplicavam-se na mesma medida em que se multiplicavam os dias sem Maria. Em certo ponto, José não podia mais se locomover. Estava se afogando na vida que rebentava de seu amor pela ausente Maria. Os amigos tentaram resgatá-lo, mas, por mais que procurassem, não encontravam o pobre apaixonado no meio de tanda vida. Finalmente, após muito esforço, José conseguiu se movimentar apenas o suficiente para ficar deitado. Sufocado por tanto amor traduzido naquele jardim, finalmente, expirou e morreu.

domingo, 21 de agosto de 2011

O funk e a libertação feminina


Catem esta letra de um funk carioca:

Comece a me chupar
Metendo pra lá e pra cá

Comece a me chupar [2x]
Depois come o meu cuzinho
Só pra me fazer gozar
Comece a me chupar [2x]
Depois come o meu cuzinho
Só pra me fazer gozar

E vai chupando, e vai chupando,
e vai chupando, vai chupando, vai chupando, chupando, chupa gostoso!
E vai chupando, e vai chupando,
e vai chupando, vai chupando, vai chupando, chupando, chup.. que isso!

Agora para! E vai metendo..
E vai metendo, vai metendo, vai metendo e vai metendo, mete gostoso!
Agora para! E vai metendo..
E vai metendo, vai metendo, vai metendo e vai metendo, vai metendo!

Eu ja to louca, não to mais aguentado
Esse cara é pirocudo, ele tá é me rasgando
Eu ja to louca, não to mais aguentado
Esse cara é pirocudo, ele tá é me rasgando

Não discutiremos aqui o valor estético da obra. Não cabe, nesta discussão, valores artístico a respeito de arranjos, melodia, estrutura das rimas, entre outros. Vamos nos ater ao seu conteúdo sociológico, aos ditos e não-ditos.

A primeira coisa que nos chama a atenção é o fato de que a letra, pululando de palavrões e referências ao ato sexual, ressaltando a animalidade com que ele é praticado, é cantado por uma mulher. Podemos dizer que, historicamente, o caminho percorrido pelo funk, para chegar ao balaio de palavrões que é hoje, é relativamente curto. No começo da década de 1990, presenciamos esse estilo musical com uma função majoritariamente de cunho político. O funk era transgressor na medida em que contestava o sistema político-econômico imposto pelo capital. Era, de fato, uma espécie de grito dos excluídos, música feita por pobres para pobres. Em princípios do século XXI, o Bonde do Tigrão inaugura, nacionalmente, um tipo de música mais despolitizada a qual caiu, quase que instantaneamente, na lógica capitalista de mercadorização. Nessa nova expressão do funk, a cultura política dá lugar à cultura do sexo. Temos, assim, um grupo de homens e mulheres que expressam, a despeito de suas condições econômicas de origem, toda uma carga sexual que, outrora, era mascarada pelas letras e poesias engendradas pelo amor do tipo romântico. O tempo, entretanto, ainda não era das mulheres, apesar de, algumas delas, arriscarem uma ou outra canção.

Nessa qualidade de música, a mulher aparece como objeto do desejo sexual do homem. A lógica machista expressa sua dominação por meio da submissão sexual da mulher. Até aqui, nenhuma novidade. A diferença é que, agora, o funk passa a anunciar, para o público, práticas que ousavam se revelar apenas no âmbito da alcova, do privado. Entretanto, por mais que o funk, na primeira metade da década de 2000, reproduza tal lógica da dominação masculina, a revolução já desponta. Na música "um tapinha não dói", que gerou protestos feministas por todo o Brasil, um bando de marmanjos ordenam que uma mulher faça poses sensuais para eles. A surpresa acontece no refrão: uma voz feminina diz, em bom som, que "um tapinha não dói". Embora dominada por homens, naquele momento, a mulher anuncia sua sexualidade! Ainda que seja para dizer que gosta de um tipo de prática sexual que muitos julgam humilhante, o feminino finalmente se expressa. A funkeira Tati Quebra-Barraco, então, nessa mesma época, completa a dialética sexual do funk. Uma das primeiras mulheres a anunciar a posse de sua sexualidade, Tati Quebra-Barraco virou revolucionária.

O mais impressionante, e que, obviamente, chama-nos mais a atenção, é que essa libertação sexual feminina veio justamente das camadas mais carentes da população. Constantemente acusados de retrógrados e conservadores, os pobres dão um soco no estômago da pretensa revolucionária classe média e da inteligentsia. Ao reproduzir a lógica da dominação masculina, o funk carioca abriu as portas para um outro tipo de revolução: a sexual. Ironicamente, como previu Marx, mas agora com sexo no lugar da exploração capitalista, o povão comandou a revolução. Era de se esperar que, inevitavelmente, a mulher passaria de agente passivo para ativo na declaração de sua sexualidade, posto que, quem tem voz, fala.

No início da década de 2010, os discursos femininos, no funk, estão saturados de referência ao sexo. É como se fosse uma manifestação histérica de uma sexualidade que foi reprimida durante séculos e que, agora, explode a plenos pulmões (e por que não dizer a plenas vaginas?). Valesca Popozuda, expoente desse tipo de funk sexualmente obsessivo, longe de merecer os títulos de promíscua, vagabunda ou prostituta, é, na minha opinião, a salvadora das mulheres. A genialidade de Valesca reside justamente na quebra da imagem paradigmática da mulher tradicional. Valesca Popozuda desponta, finalmente, para o bem do feminino, como a anti-Nossa Senhora. Que me perdoem os católicos, mas Maria é a imagem mais perversa e opressora do feminino. É a mulher que, milagrosamente, sem exercer sua sexualidade, torna-se mãe. É a mulher que, sem a necessidade do sexo, que nunca a pertenceu, transfigura-se na imagem ideal da mulher: submissa, sempre intercessora, porém nunca no comando, resignada, melacolicamente gentil, prendada e, principalmente, afastada do sexo. Valesca Popozuda, embora não literalmente, como fez certo pastor da Igreja Universal, chuta a santa. A mulher, agora, é dona da própria vagina, comanda o próprio gozo, escolhe seu parceiro, exerce livremente sua sexualidade, domina o macho, ridiculariza-o, zomba de sua sexualidade. A mulher, finalmente, liberta-se do jugo masculino do exercício de sua sexualidade mais plena.

A despeito de nossa natureza machista, que sempre procuro domar em mim, as garotas funkeiras tomam a linha de frente, muitas vezes de maneira mais eficaz que certas feministas, no espaço público que é devido à mulher. Embora muitos argumentem que o combate principal trava-se no campo da política, os tempos hodiernos mostraram que o campo fértil das revoluções brota da e na cultura. Oprimidas pelo sexo, libertas pelo sexo. Vida longa à Valeska Popozuda e a sua vagina, pois ambas ousaram, sem vergonha (isso mesmo, sem o hífen), desafiar os falos dominantes.
Despeço-me com um vídeo que traduz, de maneira mais fiel e menos intrincada, o que quis dizer com esse texto. Aproveitem:

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O mito da solteirice como bem supremo

Hoje é dia do solteiro. Seria um dia como outro qualquer, se não fosse por uma mensagem que vi no facebook. Segue a danada, na íntegra:

‎S.ociedade
O.rganizada
L.ivre de
T.raição e
E.rros, Total
I.ndependência, sem
R.emorsos ou
O.brigações

Quem corrobora com esse pensamento tem, para mim, uma opinião muito equivocada, não a respeito do ser solteiro, mas do se relacionar. Eu não sou a pessoa mais namoradeira do mundo, é verdade. Tive apenas dois relacionamentos com tempo relativamente duradouro. Eu, entretanto, tenho a mania de pensar sobre "a vida, o universo e tudo o mais" demasiadamente. Também descobri que a experiência de vida alheia é uma fonte infinita de aprendizado tão ou mais rica que a nossa própria.

Há quem acredite que começar um relacionamento signifique necessariamente a perda da liberdade, da individualidade e, pior, da própria identidade. Parece-me que a acentuação do individualismo liberal escorreu da economia e da filosofia política para a vida afetiva. Há muitos textos na Sociologia dedicados ao estudo sobre confiança, laços afetivos e relacionamentos nos tempos atuais, e minha afirmação anterior poderá ser corroborada por esses textos. Nenhum relacionamento, absolutamente, poderá reivindicar a posse integral do outro. Não é uma questão de duas metades que se complementam, mas de dois inteiros que se administram. Quando duas pessoas decidem iniciar uma relação, estão ali dois indivíduos independentes, que carregam as próprias experiências, visões de mundo, valores e vontades. A vida a dois é, necessariamente, a convivência pacífica e profícua desses dois universos que podem, ou não, complementarem-se. Quem perder a liberdade em um namoro ou casamento, por exemplo, nunca teve um companheiro de fato. Teve patrão, chefe ou senhor.

Não estou falando que se deve seguir a vida ignorando o outro, como se apenas o seu universo fosse o mais importante ou aquele que sobrepuja os demais. Aqui, então, é imprescindível o uso da razão, porque nem só de sentimento viverá uma relação a dois. Tenta-se um constante e incansável administrar de vontades, contradições e planos. Relacionar-se é a arte de fazer cruzar caminhos que, de outra maneira, seriam divergentes. O motor da história dos relacionamentos é, então, no sentido marxista mesmo, uma luta, um conflito não entre classes, mas entre personalidades. Mas, ao contrário do modelo marxista de desenvolvimento da história dos homens, enquanto existir amor, as contradições não devem gerar o fim, mas crescimento. Não é balela quando dizem que as adversidades amorosas podem fazer crescer. Elas podem e devem.

Engana-se quem pensa que liberdade rima com solteirice. É possível se relacionar e, ao mesmo tempo, ser livre de traição, dependência e obrigações. Todo relacionamento, na atualidade, começa voluntariamente e voluntariamente deve seguir em frente, óbvio. Conheço uma mulher que, durante 14 anos, foi tiranizada pelo marido violento. Ela foi sugada, explorada, marginalizada, agredida, ameaçada e humilhada sistematicamente durante mais de uma década. Embora a burocracia dizia que ela era casada, eu não consiguia parar de pensar que ela era, de fato, uma escrava. Toda forma de amor deve primar pela liberdade, pois é somente livre que o indivíduo tem espaço para ser voluntário, e todo sacrifício requer incontestavelmente a vontade espontânea de sacrificar. Sim, amor também é sacrifício. Quando se fala em sacrifício, pensa-se em uma troca desvantajosa. Devo lembrar que, em todas as sociedades cujo ritual so sacrifício era o mote de alguns ritos religiosos, a parte sacrificada era compartilhada entre aquele que oferecia e aquele que recebia. Não era, de forma alguma, uma via de mão única entre homem e divindade. Era, acima de tudo, uma relação de permuta entre um e outro. É esse tipo de sacrifício que deve existir nos relacionamentos.

Repito: quem acredita que se relacionar é perder a liberdade e a individualidade nunca teve namorado/namorada, mas senhor. Em um relacionamento, só há um senhor: o respeito. Respeito às liberdades e às individualidades, respeito ao amor que se cultiva e se colhe em retorno, respeito às limitações. Quando se respeita, todo o resto se acrescenta naturalmente depois.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

O fim dos olimpianos


Um dia, Zeus encontrou, na cabeceira de sua cama, um bilhete. Reconhceu imediatamente a grafia de sua esposa-irmã Hera. Havia ali uma frase curta: "Fui embora. Adeus.". Ao passar os olhos por aquela linha, ribombou, nos céus, os mais altos trovões e choveram raios em todas as direções. Para Zeus, o motivo do abandono era claro: sua mulher se cansara de suas inúmeras traições. Conhecia o gênio da esposa. Sabia que ela era capaz de matar, perseguir, seqüestrar e atormentar suas amantes e seus filhos ilegítimos, mas jamais passou por sua cabeça divina que Hera abandonaria o Olimpo. Consternado, mandou chamar Hermes e ordenou que este encontrasse sua mulher e a trouxesse de volta. Horas depois, o deus-mensageiro retorna sem sucesso. Não encontrara a divindade. Zeus, então, subiu no cume do monte, do mesmo lugar em que costumava observar as belas mortais, apurou a vista e varreu a face da terra com o olhar. Não havia sinal algum da mulher. Consternado, solicitou a presença de seu irmão Hades. O senhor do mundo inferior estacionou a bela carruagem puxada por cavalos negros em fila dupla, tamanha era a urgência do chamado, tratando de deixar o pisca-alerta ligado, com receio da justa Atena aplicar-lhe uma multa. Perguntado se, por ventura, a irmã-cunhada se encontrava no submundo, respondeu que não. Não havia sinal da deidade sequer no Tártaro.

O rei dos deuses pediu uma audiência geral. A extraordinariedade do pedido era tamanha, que até as fúrias e as moiras estavam por lá, com o manto do destino, a fim de procurar, no entrelaçamento dos fios, o paradeiro da senhora do Olimpo. Cloto, Láquisis e Átropos não encontraram o menor vestígio de Hera. Zeus, então, ordenou imediatamente a suspensão de todas as atividades a que os deuses estavam submetidos e disse que tratassem de encontrar a esposa a qualquer custo.

Naquele dia, o mundo parou. Deméter suspendeu as colheitas, Atena de olhos glaucos não presidiu julgamentos, Apolo não passeou na sua carruagem solar, que comprara de Hélio tempos antes a um preço de bagatela: segunda mão, único dono. Mesmo Pã, que não era bem visto entre os olimpianos, participou ativamente da busca. A virginal Ártemis pôs todos os animais da floresta para farejar algum possível rastro da deusa, em vão, indisponibilizando, assim, a caça aos homens. A mando de Zeus poderoso, Hefestos forjou uma imensa lupa com a qual procurava minunciosamente sua querida mãe por sobre a face da Terra. Ares e Afrodite, que viviam em constante fornicação precisaram atender o chamado. Naqueles dias, portanto, não se fez amor e tampouco as guerras. Mediante todos esses esforços inúteis, foi enviado, por Hermes, mensagens aos deuses de outras terras, a fim de que avisassem imediatamente ao Olimpo sobre o paradeiro de Hera. Os panteões egípcio, hindu, africano e persa se prontificaram imediatamente em auxiliar na busca. Infelizmente, sem sucesso algum.

Amofinado em seu trono celestial, o cronida Zeus estava mortificado de tristeza e frustração. Decidiu, assim, tomar uma medida enérgica: deixaria ele mesmo o Olimpo e passaria a buscar incessantemente sua esposa de olhos bovinos. Preparou-se para a longa viagem: armou-se com os raios que Hefestos fizera, armazenou grande suprimento de vinho servido pelo belo e efeminado Ganimedes, vestiu sua melhor túnica bordada por sua filha querida Atena e partiu. Passaram-se anos e anos de busca incansável pelos mais remotos lugares do planeta. Conta-se que, por esses tempos, Zeus quase descobre as Américas. Não tinha jeito, era preciso regressar e esperar que o coração da senhora do Olimpo se acalmasse. Com esse pensamento, a divindade retornou.

O lugar que o cronida reluzente encontrou estava estranho. No caminho para o Olimpo, observou silêncio estranho e quietude assaz. Isso não era comum principalmente depois que Dionísio, o deus do vinho, passara a habitar o panteão. Foi então que, com pânico nos olhos, Zeus avistou uma figura desconhecida sentada muito querida em seu trono.

- Quem é você e o que faz aqui?
- Sou Jesus de Nazaré, rei dos reis e senhor dos senhores. - respondeu serenamente a figura.
- Quem te deu permissão de sentar no trono do deus dos deus?
- Em primeiro lugar, colega, EU sou o deus dos deus, apesar de ser o único deus. Por excelência, este trono é meu. Meu pai o deu a mim.
- E quem é seu pai, por acaso? Não lembro de algum irmão ou filho meu parir pessoa tão orgulhosa.
- Olha, camarada, aí você complicou a conversa. Meu pai sou eu, na verdade. O Espírito Santo, que também sou eu e meu pai, engravidou, engravidamos, melhor dizendo, minha mãe, e eu nasci. Eu sou meu pai, entendeu? Pode falar diretamente comigo, então.
- Quanta petulância! - vociferou Zeus.
- Petulância ou não, este trono agora me pertence. Já enxotei toda aquela mundiça barulhenta que morava aqui antes. E também não adianta ir para o mundo inferior, que eu também desci até lá e dei uns bons cascudos num homem mau-humorado. Sou dono de lá também. Olha aqui a chave da casa para provar. O lugar já está reservado para Satanás, e o contrato só vencerá daqui a uns milhares de anos. Se quiser, espere na fila.

O homem barbudo falava com tanta autoridade, porque falava, segundo ele, por três, que Zeus não teve alternativa a não ser girar sobre os calcanhares e ir embora. E assim terminou o reinado de todos os deuses gregos sobre a terra.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Tempo de (re)nascer

Prezados leitores e leitoras,

Após meses de ausência, preciso confessar-lhes algo de suma importância. Estou sem inspiração. Juro pelas nove musas filhas de Zeus poderoso. Parece-me, e tenho quase certeza, que funciono sob pressão. Então, caríssimos e caríssimas, gostaria de que vocês me dessem os motes de meus escritos. O esquema funcionará da seguinte forma: todo sábado, porei uma pequena enquete com 4 opções de temas, a fim de que a mais votada sirva como ponto de partida para um conto, crônica, dissertação ou narração. No domingo à noite, a alternativa mais escolhida se tornará texto até 48 horas após o resultado.

Espero a participação de todos e todas.

Atenciosamente,

Moisés.

P.S.: As opções, como dito acima, estarão no formato de enquete, no lado direito do layout do blogue.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

2011

Prezados leitores e seguidores,

Como puderam perceber, o blogue ficou temporariamente desativado. Felizmente, uma de minhas resoluções para 2011 é dar continuidade aos meus escritos. Compromote-me com vós outros (adoro esse arcaísmo bíblico) a retomar as atividades literárias em fevereiro deste ano. Enquanto isso, fiquem com essa linda música de Regina Spektor, a qual se enquadra bem neste contexto:


Grande abraço.

Ah! Especial agradecimento a Dora Limeira, uma das mais ilustres leitoras e incentivadores do meu blogue. Querida Dora, suas palavras são como o orvalho que desce sobre a terra seca, fazendo dela verdes pastos. Muito obrigado.