segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O mito da solteirice como bem supremo

Hoje é dia do solteiro. Seria um dia como outro qualquer, se não fosse por uma mensagem que vi no facebook. Segue a danada, na íntegra:

‎S.ociedade
O.rganizada
L.ivre de
T.raição e
E.rros, Total
I.ndependência, sem
R.emorsos ou
O.brigações

Quem corrobora com esse pensamento tem, para mim, uma opinião muito equivocada, não a respeito do ser solteiro, mas do se relacionar. Eu não sou a pessoa mais namoradeira do mundo, é verdade. Tive apenas dois relacionamentos com tempo relativamente duradouro. Eu, entretanto, tenho a mania de pensar sobre "a vida, o universo e tudo o mais" demasiadamente. Também descobri que a experiência de vida alheia é uma fonte infinita de aprendizado tão ou mais rica que a nossa própria.

Há quem acredite que começar um relacionamento signifique necessariamente a perda da liberdade, da individualidade e, pior, da própria identidade. Parece-me que a acentuação do individualismo liberal escorreu da economia e da filosofia política para a vida afetiva. Há muitos textos na Sociologia dedicados ao estudo sobre confiança, laços afetivos e relacionamentos nos tempos atuais, e minha afirmação anterior poderá ser corroborada por esses textos. Nenhum relacionamento, absolutamente, poderá reivindicar a posse integral do outro. Não é uma questão de duas metades que se complementam, mas de dois inteiros que se administram. Quando duas pessoas decidem iniciar uma relação, estão ali dois indivíduos independentes, que carregam as próprias experiências, visões de mundo, valores e vontades. A vida a dois é, necessariamente, a convivência pacífica e profícua desses dois universos que podem, ou não, complementarem-se. Quem perder a liberdade em um namoro ou casamento, por exemplo, nunca teve um companheiro de fato. Teve patrão, chefe ou senhor.

Não estou falando que se deve seguir a vida ignorando o outro, como se apenas o seu universo fosse o mais importante ou aquele que sobrepuja os demais. Aqui, então, é imprescindível o uso da razão, porque nem só de sentimento viverá uma relação a dois. Tenta-se um constante e incansável administrar de vontades, contradições e planos. Relacionar-se é a arte de fazer cruzar caminhos que, de outra maneira, seriam divergentes. O motor da história dos relacionamentos é, então, no sentido marxista mesmo, uma luta, um conflito não entre classes, mas entre personalidades. Mas, ao contrário do modelo marxista de desenvolvimento da história dos homens, enquanto existir amor, as contradições não devem gerar o fim, mas crescimento. Não é balela quando dizem que as adversidades amorosas podem fazer crescer. Elas podem e devem.

Engana-se quem pensa que liberdade rima com solteirice. É possível se relacionar e, ao mesmo tempo, ser livre de traição, dependência e obrigações. Todo relacionamento, na atualidade, começa voluntariamente e voluntariamente deve seguir em frente, óbvio. Conheço uma mulher que, durante 14 anos, foi tiranizada pelo marido violento. Ela foi sugada, explorada, marginalizada, agredida, ameaçada e humilhada sistematicamente durante mais de uma década. Embora a burocracia dizia que ela era casada, eu não consiguia parar de pensar que ela era, de fato, uma escrava. Toda forma de amor deve primar pela liberdade, pois é somente livre que o indivíduo tem espaço para ser voluntário, e todo sacrifício requer incontestavelmente a vontade espontânea de sacrificar. Sim, amor também é sacrifício. Quando se fala em sacrifício, pensa-se em uma troca desvantajosa. Devo lembrar que, em todas as sociedades cujo ritual so sacrifício era o mote de alguns ritos religiosos, a parte sacrificada era compartilhada entre aquele que oferecia e aquele que recebia. Não era, de forma alguma, uma via de mão única entre homem e divindade. Era, acima de tudo, uma relação de permuta entre um e outro. É esse tipo de sacrifício que deve existir nos relacionamentos.

Repito: quem acredita que se relacionar é perder a liberdade e a individualidade nunca teve namorado/namorada, mas senhor. Em um relacionamento, só há um senhor: o respeito. Respeito às liberdades e às individualidades, respeito ao amor que se cultiva e se colhe em retorno, respeito às limitações. Quando se respeita, todo o resto se acrescenta naturalmente depois.

11 comentários:

Roger disse...

Amém!

FOXX disse...

também, amém. texto perfeito, exatamente o que eu penso.

Uendry disse...

Concordo plenamente com o texto e até me espanto com essa sua visão do que seria relacionamento, Moisés. Temos bem mais pensamentos em comum do que eu imaginava.

Eu apenas acrescento que o relacionamento só funciona se houver, verdadeiramente, muito diálogo e, acima de tudo, a visão do comum a ambos.

De nada adianta ter tudo isso a que se referes no texto se não houver bom senso. Cito como exemplo meu relacionamento anterior, onde, como disseste, era via de mão única, onde apenas um "comandava" e o outro "obedecia". À medida que fui cansando e lutando contra isso, meu relacionamento ruiu. E, sinceramente, agradeço cada dia por ter, finalmente, acordado.

Relacionamento pode e DEVE ser algo bom pra ambos, sem sombra de dúvidas. Infelizmente, isso requer muito mais coisas que estão acima de nós.

Inclusive, quero deixar aqui uma ideia pro próximo texto: os acasos que a vida nos prega nos relacionamentos.

Victor disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Victor disse...

O texto está perfeito, e parece que são coisas que já sabemos, só não discutimos assim, mas, quando se lê, a impressão é de que a gente já sabe de tudo isso, porque é muito sensato e natural. As pessoas só não conseguem aplicar esses princípios de liberdade às suas vidas. Talvez seja a natureza possessiva das pessoas que crie esse sentimento de posse castradora da liberdade alheia.

Danuza disse...

Arrasou, Moisas! Texto espetacular, sensível e muito verdadeiro. Pena que a grande maioria das pessoas não pensa assim...

Ygor disse...

Eu ach que até pensam, Danuza, só não colocam em prática.

Andréia Martins disse...

Sempre sensato, Cariño.
Mas gostaria de ter visto um exemplo de sucesso depois daquele fracassado! =D
Penso que, às vezes, as pessoas idealizam demais as coisas e querem que o relacionamento nasça perfeito. Se temos que lutar por tudo na vida, qual o motivo de, no amor, ser diferente?

Sarah disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Sarah disse...

Amar pode ser um sentimento que está a altura de todos mas saber amar é para poucos! Um relacionamento amoroso jamais deve ser visto como a interrupção da liberdade individual...quem escreveu isso certamente teve um senhor, um chefe um patrão (como você escreveu)ou não tem a mínima experiência sobre o tema do amor consistente, baseado em uma vida que é compartilhada por pura vontade própria que independe completamente do que a sociedade impõe como padrão de relacionamento amoroso (antes era o casamento, agora a negação do amor que passa a ser identificado como algo intangível, quiçá inexistente devido ao extremo individualismo das pessoas). Amar é uma dádiva da vida, e também um sentimento libertador!!! Difícil encontro de almas e corpos que poucos sabem eternizar... Quem passou por essa vida e não amou, não foi amado e não soube amar não sabe o que é felicidade!Ser solteiro também é bom, mas o valor do amor em nossas vidas não se define com palavras!!! Belo texto Moisés... muito bom mesmo...parabéns! :)

Naraiana Santos disse...

Moisés, o sábio de sábias palavras