terça-feira, 25 de junho de 2013

Propostas Interessantes Para uma Reforma Política



Os tempos são interessantes. Mais interessantes, inclusive, que este humilde blogue. Não irei aqui discorrer acerca das recentes manifestações que ocorreram em todo Brasil e que, agora, começam a perder força numérica nas ruas. Grosso modo, excluindo-se as anomalias e apropriações tenebrosas por parte de setores obscuros da sociedade, o povo brasileiro deixou clara sua insatisfação com a maneira como os políticos nacionais têm gerido a vida e o erário públicos. Eis, então, minhas sugestões, bem rasteiras, confesso, para uma Reforma Política que vise a contemplar, de fato, o significado de uma res pvblica. Não sou jurista, então, perdoem as possíveis incoerências.

1 - Congelamento de salários, benefícios e gratificações de todos os parlamentares nos níveis estaduais e federais até 2018;
2 - Após 2018, vinculação dos aumentos salariais de parlamentares aos concedidos anualmente aos trabalhadores ordinários, isto é, o aumento percentual concedido a deputados e senadores será o mesmo concedido àqueles que percebem salário mínimo;
3 - Limite máximo de dois assessores por parlamentar;
4 - Fim do foro privilegiado;
5 - Fim das votações secretas;
6 - Fim da verba de gabinete;
8 - Obrigatoriedade, para parlamentares e parentes em primeiro e segundo graus, da utilização de serviços públicos na saúde e educação;
9 - Proibição de 4 eleições consecutivas para uma mesma legislatura;
10 - Congelamento imediato de todos os bens daqueles acusados de improbidade administrativa;
11 - Alienação dos bens de réus acusados de improbidade administrativa cujo processo esteja transitado em julgado, no exato valor do montante desviado mais multa de 10%;
12 - Tipificação de crime hediondo para o crime de corrupção, sendo agravante aqueles que envolvam dinheiro destinado à educação, à saúde e ao transporte;
13 - Inelegibilidade para réus em processos de corrupção transitados em julgado, por um período mínimo de 20 anos.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

A casa velha do velho Epaminondas



"Seu" Epaminondas era o morador mais velho daquela rua. Na verdade, "seu" Epaminondas era o morador mais velho do mundo. Naqueles dias, contava com a idade de mil novecentos e oitenta e dois anos. Todos os moradores o conheciam desde pequenos, cresciam e morriam com sua presença nas redondezas. Gerações foram e vieram, e "seu" Epaminondas continuava morando na mesma rua em que sempre morou. Dizia-se que nascera lá naquela mesma casa. Supunha-se, assim, que "seu" Epaminondas tinha aproximadamente a mesma idade de seu lar.
Apesar de ser o residente mais antigo, ninguém conhecia muito bem "seu" Epaminondas. Sabia-se que era um velho bastante simpático e, apesar de já ser avançado em anos, possuía um vigor físico invejável. Todos os dias, podia-se observar o ancião dentro de casa espiando a rua pela janela, sempre em pé. Parecia, assim nessa posição, o quadro mais antigo do mundo. Uma das poucas informações que tinham sobre ele dizia respeito a sua imensa fortuna. O velho Epaminondas era riquíssimo! Essa foi difícil de descobrir, porque o homem teimava em andar com roupas esmolambadas em dias santos e profanos. Por falar nisso, ele quase nunca saía de casa. No máximo, podia ser visto no velho jardim abandonado há séculos, chutando a terra com os pés descalços e unhas compridas. E como descobriram a riqueza do velho Epaminondas? Certo dia, um grupo de moradores curiosos, resolveu que a vizinhança tinha o direito, ou melhor, o dever de saber mais sobre aquele homem de mil novecentos e oitenta e dois anos. A forma mais discreta que encontraram de fazê-lo foi vasculhar o lixo do idoso. Na calada da noite, um punhado de pessoas sequestrou o camburão de lixo de "seu" Epaminondas e, ao abri-lo, encontraram nada menos que cinco milhões de dólares em notas de cem. Nos dias posteriores, a companhia de lixo nunca mais recolheu um resíduo sequer da casa de "seu" Epaminondas. E foi assim que, sem saber, o velho enriqueceu toda a vizinhança. Sua casa, entretanto, continuava miserável.
A casa de "seu" Epaminondas "era uma casa muito engraçada", tinha teto, ao contrário do que diz a canção, mas, em compensação, não tinha nada. De fato, nada mesmo, excetuando-se, é claro, a fundação, as paredes, o teto, uma porta e duas janelas. Essa informação acerca do interior da casa era antiga, datava do início do século dezoito, ocasião em que o velho Epaminondas recebeu Marcos Teixeira, o visitador do Santo Ofício da Inquisição. Dizem que teve receio de ir para a fogueira, porque fora acusado de ser cristão-novo. "Seu" Epaminondas era, como ficou provado, cristão-velho em todos os sentidos. A verdade é que, desde esse dia da visitação, as gerações que se seguiram nunca presenciaram qualquer entrada de objetos dentro da casa, ou ouviram um arrastar de móveis o qual denunciasse a presença de um mísero tamborete sequer. Diziam que "seu" Epaminondas não tinha cuidado com a casa. E não tinha mesmo. Não havia mais pinturas, o reboco estava caindo aqui e acolá, o jardim deixara de ser cultivado há séculos e, como era de se supor, o chão havia de ser de terra batida. Ninguém entendia: com tanta riqueza e tanto vigor, por que o velho não zelava por seu lar?
Naquele dia do ano de dois mil e treze, porém, tudo mudou. Era o dia do aniversário de Epaminondas. Sabiam disso, porque o ancião comentara, em mil quinhentos e cinquenta e três, com um padre jesuíta, o dia de seu nascimento. As pessoas não esperavam nada de especial, porque, como se sabia, ele não saía de casa havia séculos. Isso tudo mudou, quando os vizinhos escutaram o ranger da portão metálico da velha casa de Epaminondas. A rua entrou em polvorosa. Homens, mulheres e crianças correram para a rua, chamaram a rede de TV local, o bispo apareceu, o prefeito veio conferir, e a Câmara de Vereadores decretou ponto facultativo, para que os funcionários, e eles próprios, pudessem conferir o evento histórico. Dizem que nem mesmo a segunda vinda de Cristo causaria tanto alvoroço.
Quando "seu" Epaminondas pôs o primeiro pé descalço na calçada, do Cotinha sofreu um enfarto fulminante e morreu de excitação. Os vizinhos só se deram conta da morte dela no fim do dia, porque dona Cotinha não era lá uma moradora muito querida e era comumente dada a achaques. Como se fosse o dia mais comum do mundo, Epaminondas cumprimentou simpaticamente a multidão que, de pronto, abriu-lhe passagem e saiu. Foi para a feira da cidade. A saída do velho gerou uma expectativa imensa na rua. Que será que ele foi fazer? Para onde foi? Por que decidiu sair justamente no dia de seu aniversário, quando completaria mil novecentos e oitenta e três anos? Será que estava doente? Será que tinha morrido há muitos anos e só descobriu naquele dia e foi se enterrar no cemitério municipal?
Quarenta e sete minutos depois, volta "seu" Epaminondas da feira. Trazia debaixo do braço um pequeno quadro. Era um quadro simples, desses que vendem em qualquer feira livre de qualquer bairro. Era até um quadrinho feio, pode-se dizer. Tratava-se da pintura de um rosto, mas um rosto tão mal pintado, mas tão mal pintado, que algumas pessoas acharam que era uma foto do Anticristo. Era na verdade, um desenho mal feito mesmo.
Novamente, Epaminondas abriu espaço entre a multidão, carregando consigo o quadrinho debaixo da axila. Cumprimentou novamente a multidão, abriu o portão metálico, cruzou o velho jardim abandonado, entrou em casa e fechou a porta. O clima de expectativa era indescritível. De repente, sem nenhum aviso, ouviu-se barulho de marteladas. Além de tudo, "seu" Epaminondas tinha um martelo! Dupla surpresa para a multidão. Pela janela, via-se que Epaminondas pendurava, com muito zelo, o quadrinho feio na parede. Terminado o trabalho, o velho cruzou os braços, observou sua nova aquisição na parede de sua velha casa e sorriu. Naquele dia, "seu" Epaminondas completou mil novecentos e oitenta e UM anos.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Trinta Moedas

Por trinta moedas de prata, Judas traiu Jesus entregando-o aos romanos. Uma bagatela, se considerarmos que o messias era o filho de Deus encarnado. Quando desprezou a confiança do Salvador, vendendo-o por uma penchincha, Judas criou o primeiro 1,99. Sempre ouvi, desde criança, que as pessoas tinham um valor, porém nunca desconfiei que a referência significasse dinheiro ou poder.
No Brasil, as minorias são muito valorizadas não por aquilo que se convencionou chamar de "dignidade humana", mas por seu suposto valor de troca frente aos jogos políticos de nossa nação. Quanto vale um direito? Quanto vale a dignidade? Em nosso país, valem muito e valem nada. Em seu livro "O Capital", o filósofo alemão Karl Marx determina que todas as mercadorias possuem dois valores: um de uso e um de troca. Embora a análise marxiana se aplique ao fabrico e circulação de bens utilizáveis, o campo político nacional soube perversamente reificar, ou coisificar, aquilo que deveria ser distribuído de graça e naturalmente. De que outra forma seria possível, então, barganhar, como em uma feira de porcos, com os vendilhões maiores de nossa sociedade?
Como é possível negociar com algo que, a priori, seria inegociável? Em primeiro lugar, tem-se que levar em consideração o valor de uso. Basicamente, dizemos que valor de uso refere-se à utilidade que determinado objeto possui, independente do tempo de trabalho e das relações de produção envolvidas. Aqui, ao contrário do que Marx demonstrou ao se referir às mercadorias produzidas pelo trabalho humano, temos que considerar, a fim de obtermos uma breve noção do valor de uso da dignidade, o caminho histórico traçado com sangue e suor, o qual, para nossa análise, chamaremos de "trabalho socialmente gasto", pois que, com isso, seu valor de uso torna-se incomensurável, não podendo, de forma alguma,  ser quantificável, uma vez que, para aqueles que o produziram e que dele fazem uso necessário, suas qualidades não se equiparam a qualquer outra coisa.
Um determinado objeto com valor de uso vira mercadoria, quando é confrontado com um contexto de economia de trocas. Nesse caso, a mercadoria precisa ser quantificável, a fim de que seja possível sua circulação e câmbio. Dessa forma, o valor nada tem a ver com a propriedade natural da mercadoria, mas nasce de seu confronto com outros valores de troca cambiáveis. Nesse âmbito, recorremos novamente à noção de trabalho humano para podermos identificar paradoxalmente, uma vez que afirmamos acima que nosso objeto de reflexão não possui valor quantificável, e baseados justamente naquilo que determina, neste caso, o valor de troca, ou seja, o tempo de trabalho socialmente empregado na produção de uma mercadoria (no caso, a dignidade), uma pálida noção daquilo que é, por suas características históricas de construção, incalculável.
Posto isso, a priori, ninguém pode ser capaz de estipular um valor seguro para uma mercadoria cujo valor de uso e o de troca estão além da determinação de preços, uma vez que sua produção e circulação extrapolam diversos contextos históricos que indeterminam a precisão de seu valor.
No Brasil, surpreendentemente, a dignidade tem preço, que oscila, como a batata e o tomate, com a conjuntura: pode custar uma CPI contra o Ministro-chefe da casa civil, ou o apoio político em troca da presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias. É muita perversidade apreçar aquilo que não deveria ter preço. Quanto custa o amor? Ou a alegria? ou um perdão? Ou um filho? Ou um pai?
Judas, na verdade, foi um esperto, porque, para livrar a consciência de tais reflexões, determinou logo uma quantidade precisa de dinheiro pela vida do filho de Deus. Ninguém pode culpá-lo de dissimulação, nem de falta de empenho capitalista (cerca de 1800 anos antes do surgimento do capitalismo ocidental). Por trinta moedas, Judas vendeu Jesus Cristo. Por favores, nossos políticos têm vendido nossa dignidade.

domingo, 13 de maio de 2012

Farofa de Cuscuz (conto inacabado)

- E então, doutor? Nasceu? É menino? É menina?
- É farofa de cuscuz.
- (...) Como?
- Sua esposa deu à luz uma linda travessa de farofa de cuscuz, Seu Jorge. O parto foi um pouco demorado, porque a enfermeira-chefe espirrou na hora em que a criança nasceu, e tivemos que juntá-la com uma vassoura e uma pá. Mas não se preocupe, que agora eles passam bem: sua mulher, o bebê e a enfermeira, que é alérgica a milho.
- É... O importante é ter saúde, não é, doutor?

Deram ao infante o nome de Emilho, com "lh" mesmo, porque acharam que esse seria um nome mais apropriado, dada as circunstâncias peculiares de seu nascimento. Demoraram a saber se era menino ou menina, mas, por causa de um pedaço de bacon, julgaram um pênis e optaram por garoto. No futuro, se percebessem que erraram no gênero, chamariam-na Emilha de Sabugosa, em homenagem aos dois personagens de Monteiro Lobato, afinal a música dizia "boneca de milho é gente, sabugo de milho é gente...". Farofa de cuscuz também é gente! Quem haveria de contrariar um clássico da literatura e da televisão?
Os problemas de Emilho, como vocês puderam perceber, começaram no momento do nascimento. Quando foram batizar a criança, notaram que ela inchou um pouco, quando o padre lhe jogou água benta. Os pais não reclamaram, pois foi um sacrifício convencer o cura a realizar o sacramento, uma vez que não constava, no cânone, que acompanhamento culinário merecia batismo.
Era uma criança muito quietinha, porém assaz dispersa. Dispersa mesmo, no real sentido da palavra. Bastava um vento mais forte, que lá ia Emilho para todos os lados. Certa feita, a empregada o aspirou por engano e foi um verdadeiro sacrifício retirá-lo do saco do aspirador. Na escola, apelidaram-no de Broa, Broa de Emilho, porque sabe-se que crianças podem ser maldosas quando querem ser. O maior desejo de seu pai era levá-lo à praia, mas, desde que ele caiu na areia e tiveram que peinerá-lo durante toda a tarde, seu genitor desistiu da ideia desses finais de semana idílicos e contentava-se em encher meia cuscuzeira de água e deixá-lo lá, no banho-maria, por pouco mais de duas horas. A mãe sonhava amamentá-lo, mas o pediatra e um chef de um restaurante árabe disseram que não cairia bem farofa de cuscuz com leite. Se fosse apenas cuscuz, até que seria aconselhável...
Na adolescência, a despeito de seu bom comportamento

domingo, 6 de maio de 2012

10 músicas para roer no fim de um relacionamento (Final)

5. Roberto Carlos - As canções que você fez para mim. De que adiantam essas campanhas demagógicas, se as canções que aquela miserável fez para você, não fazem mais o menor sentido? O rei Roberto já escreveu sobre taxistas, caminhoneiros, gordinhas, mulheres de quarenta. Ele é praticamente um Voltaire, um Diderot, um Rousseau, enfim, um enciclopedista da música popular brasileira. De tudo, ele fala e entende. Desta vez, o rei decidiu escrever uma música sobre as músicas que a amada fazia para ele. Essa canção é um tiro no ânus, porque traduz a "solidão, fim de quem ama", nos versos "eu acho que você já nem se lembra mais". Aperte o "play" e tente sobreviver.



6. Vanessa da Mata - Música. Ok, ok. Admito: estou apelando. Essa música é avassaladora, porque a voz é suave, e a melodia  nos traz, à memória, aquela velha ciranda do anel que "era vidro e se quebrou". É sobre isso que a música fala: tudo fenece, tudo se esvai, por mais sólido que seja. Exceto, é claro, as lembranças que, agora, são dolorosas. Vanessa, sua linda, espero que você morra lentamente. Cuidado, que essa canção é arma de destruição em massa.



7. Leoni - Os outros. Amor que não vai embora pior que espinha purulenta em dia de festa, pior que ranho em nariz de palestrante. O pior é que ninguém se compara ao objeto de nosso amor, por mais cretino(a) que ele/ela tenha sido. Até defeito a gente começa a comparar, esquecendo-se de que ninguém é igual, exceto na morte. E essa música engana, viu, minha gente? Não sei se foi Guatarri ou Deleuze (Edson, corrija-me, por favor) que disse que "nosso grande amor é sempre o penúltimo amor", ou seja, nenhum amor será o derradeiro (a não ser, é óbvio, aquele que antecede o fim da vida. Mas, assim como existe a licença poética, existe a licença patética, que permite que pessoas apaixonadas digam asneiras já desmentidas pelos pós-estruturalistas franceses.



8. Reginaldo Rossi - Garçom. O rei do brega, de fato, não é brega. Brega é corrente de prata featuring bermuda Saka Praia. Reginaldo Rossi é genial, minha gente. Ele transforma um bêbado desgraçado, jogado em uma mesa de bar, abrindo a própria intimidade para um desconhecido e, certamente, banhado em vômito e na própria miséria, em uma música belíssima. E digo mais: ele desmonta o estereótipo do machão, que não sofre, que é invulnerável. Reginaldo Rossi é desconstrução, meu povo! E isso é muito foucaultiano. (Foucault, como tudo aquilo "made in France", não pode ser brega).



9. Roxette - Spending my time. Direto da década de 90, para a infelicidade em que se encontra sua vida neste exato momento. Essa música é uma contradição, porque o ritmo dela é lento, devagar, mas, ao mesmo tempo, ela diz "spending my time watching the days go by". Trata-se daquela depressão que você sabe que a vida te atropela, porém você não dá a mínima cagada para isso, porque está ocupado(a) demais não fazendo absolutamente nada!



10. Alanis Morissette - Torch. Morra, Alanis, MORRA! Não deem o play! É uma cilada, Bino! Não há coração que aguente esse lamento digno do livro bíblico de Jó. Torch é a caixa de Pandora piorada, porque, depois de tantas lembranças, não haverá o feliz pássaro verde ao final. Pronto! Exemplo perfeito: já viram um palito de fósforo queimado? É uma desolação só: cliquem aqui. Depois de um gato morto, um fósforo queimado é a coisa mais desoladora do mundo, porque passa a ser exatamente o oposto daquilo que um dia foi. Pior: essa nova não-coisa, exatamente por sua não-coisisse, faz-nos lembrar o tempo todo, para nossa tristeza, a coisa anterior, em todo seu esplendor, que agora já não existe mais.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

10 músicas para roer no fim de um relacionamento (parte I)

Todo mundo já sofreu por amor. Que atire o primeiro CD de Adele aquele que nunca sentiu uma pontada de angústia por perder aquele ou aquela que considerava o grande amor de sua vida. Tolstói disse, em Anna Karienina, que "toda família feliz é igual, mas toda família infeliz é infeliz à sua maneira". No amor, todo sofrimento é gêmeo univitelino. De repente, após o fim, aquele seu namorado barrigudo, bronco, sem futuro e vesgo torna-se a pessoa mais querida do mundo. A dor da perda do ser amado é atroz, porque a pessoa morreu, mas continua viva (não, não estou falando de zumbis). Morreu, porque não faz parte da sua história, não compartilhará intimamente seus momentos de alegria e tristeza, não farão mais planos juntos. Viva, porque ela continua por ali, serelepe, seguindo com a própria vida, sorrindo, frequentando academia, bares e boates SEM VOCÊ. Nessas horas, o jeito é afogar as mágoas com os amigos, no trabalho, no chuveiro, no sorvete, na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê. Pensando em facilitar a vida de nossos leitores e leitoras, a equipe de Tempos Interessantes, composta apenas por mim, decidiu fazer uma coletânea de dez músicas infelizes, compostas naqueles momentos de miséria humana, quando o amor acaba e fica apenas a amargura de uma existência infeliz e sem sentido. Ei-las, então:

1. Qualquer canção de Adele. Em primeiro lugar, ela, a rainha da depressão, a arauto de dias negros, o corvo das más notícias, a coveira do amor. Adele encanta, porque é sem vergonha. Ela sofre, ela chora, ela se descabela, ela pede para voltar, ela diz que a vida acabou. Adele consegue traduzir com exatidão todos os sentimentos que pipocam após o término de um relacionamento: tristeza, mágoa, raiva, frustração, desesperança, infelicidade e por aí vai... Qualquer música de Adele, vejam bem, QUALQUER música, versará, de uma forma ou de outra, sobre aquele/aquela filho de uma jumenta que te deixou na merda completa. Escutar Adele é, com certeza, poupar o tempo de traduzir em palavras os dias negros que o fim de seu relacionamento trouxe.


2. Dido - White flag. Dido não tem a melhor voz do mundo. Vocalmente, ela nunca irá surpreender você. Não há agudos, não há vibratos, não há variações de tom, mas há muita tristeza e lamentação. Nessa música, há o amor que ficou depois do cretino ou cretina ter lascado sua vida. É uma canção sobre a capacidade de um cara-de-pau, depois de ter estragado tudo, chegar até você e dizer que ainda te ama. Veja bem, se você é a vítima indefesa, a música não serve para você, mas, se você é a pessoa que bagunçou tudo e está arrependida do que fez, pode escutar à vontade e se lamentar pelo dia em que nasceu e se tornou um completo inepto para relacionamento e as coisas do amor. E pode ter a certeza de que teu ex realmente deseja que você "afunde com esse navio".


3. Abba - The winner takes it all. Quando as primeiras notas do piano começam a tocar, você já sente vontade de pular da ponte. "The winner takes it all" versa sobre o jogo do amor. Como toda competição, há vencedores e perdedores. Essa música, é óbvio, é cantada por um infeliz perdedor que, certamente, não estará na próxima temporada de Glee. Não se trata, porém, de um bad loser. O cidadão ou cidadã admite a derrota, aceita o fim, veste a capa da vergonha e humilhação, curva-se ante o fato consumado do fim. É uma música para ser cantada quando sua auto-estima não vale R$ 2,00 no mercado de pulgas ou na liquidação de garagem.


4. Jacques Brel - Ne me quitte pas. "Ne me quitte pas" é o fim. É o último suspiro do moribundo, é a porta dos desesperados, é o discurso do advogado da CNBB durante a sessão do STF sobre o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo, é o último "continue" do jogo de vídeo game. É, enfim, a última tentativa do infeliz que está prestes a perder o amor de sua vida. Tais constatações são patentes, porque a pessoa promete mundos e fundos para a amada que se vai pela porta da frente, certamente levando até as panelas da casa. Não sei vocês, mas consigo imaginar o sujeito agarrado à barra da saia da amada, repetindo abobada e desesperadamente "ne me quitte pas", enquanto, indiferente, a cretina vai embora.


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Aguardem a próxima postagem com as seis últimas canções que farão os desprezados cortarem os pulsos.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Do Jardim e Outros Demônios


José se encantou por Maria desde o primeiro momento em que pousou a vista naquele belo rosto. Diz que a viu, mas não a enxergou muito bem, porque José tinha sérios problemas de visão. Foi, então, amor à primeira cegueira. Vieram, assim, as borboletas. Aqueles insetos conhecidos de todos os apaixonados e que teimam em fazer casulos em seus estômagos. José não podia tossir, que lhe saía voando uma borboleta pela boca. Era muito comum que as pessoas, ao conversarem com José, saíssem catando asas dos cabelos e tirando aquele pozinho do rosto.

Um dia, José e Maria se beijaram. Trocaram borboletas, na verdade, uma vez que Maria também amava José. Foi um dia deveras inesquecível, pois a amada dissera-lhe que ele tinha orelhas de velho. Eram umas orelhas um tanto grandes, de abano mesmo. Aquela observação, entretanto, não foi um insulto, porque Maria achava que as orelhas de velhos eram, de fato, as mais bonitas. Beijaram-se pela primeira vez. Começou, a partir daí, o fim de José.

Conviver com as borboletas não era difícil, mas, agora, havia também as flores. Cada passo dado fazia brotar um lindo jardim florido. José, que era professor, precisou pedir licença, porque os funcionários da limpeza estavam exaustos de, todos os dias, tirarem imensos jardins das salas de aula. A casa de José virou uma espécie de Campos Elísios. Grande ironia, já que, segundo a mitologia grega, é lá que habitam as almas dos bondosos de coração. A diferença era que José estava muito vivo.

José fazia brotar o jardim, Maria, por conseguinte, era a jardineira. Era ela a razão de ser de todo aquele esplendor de rosas, flores, plantas e borboletas. O amor de Maria era o terreno fértil onde surgia a vida engendrada pelo coração de José. De repente, o universo de José virou um imenso mundo perdido, um jardim secreto, mil vezes mais bonitos que aqueles da Babilônia. Agora, não havia apenas borboletas e flores. O amor de Maria e suas constantes visitas deram-lhe um Éden de presente. Aquele era o mundo a que pertenciam os dois amantes. Não havia, em lugar conhecido, terra mais bonita. José, agora, dedicava-se apenas a esse jardim, devotamente. Era fruto de seus sentimentos, era a tradução da força que fazia pulsar sua alma.

Um dia, Maria não apareceu como de costume. José esperou sentado, próximo a um riacho que brotara dias antes. José esperou, mas Maria nunca mais apareceu. O mais curioso é que, a despeito da ausência, o jardim continuava a brotar com toda fúria. Nada morria, não caía uma única folha ou flor. As borboletas multiplicavam-se na mesma medida em que se multiplicavam os dias sem Maria. Em certo ponto, José não podia mais se locomover. Estava se afogando na vida que rebentava de seu amor pela ausente Maria. Os amigos tentaram resgatá-lo, mas, por mais que procurassem, não encontravam o pobre apaixonado no meio de tanda vida. Finalmente, após muito esforço, José conseguiu se movimentar apenas o suficiente para ficar deitado. Sufocado por tanto amor traduzido naquele jardim, finalmente, expirou e morreu.