quinta-feira, 7 de março de 2013

Trinta Moedas

Por trinta moedas de prata, Judas traiu Jesus entregando-o aos romanos. Uma bagatela, se considerarmos que o messias era o filho de Deus encarnado. Quando desprezou a confiança do Salvador, vendendo-o por uma penchincha, Judas criou o primeiro 1,99. Sempre ouvi, desde criança, que as pessoas tinham um valor, porém nunca desconfiei que a referência significasse dinheiro ou poder.
No Brasil, as minorias são muito valorizadas não por aquilo que se convencionou chamar de "dignidade humana", mas por seu suposto valor de troca frente aos jogos políticos de nossa nação. Quanto vale um direito? Quanto vale a dignidade? Em nosso país, valem muito e valem nada. Em seu livro "O Capital", o filósofo alemão Karl Marx determina que todas as mercadorias possuem dois valores: um de uso e um de troca. Embora a análise marxiana se aplique ao fabrico e circulação de bens utilizáveis, o campo político nacional soube perversamente reificar, ou coisificar, aquilo que deveria ser distribuído de graça e naturalmente. De que outra forma seria possível, então, barganhar, como em uma feira de porcos, com os vendilhões maiores de nossa sociedade?
Como é possível negociar com algo que, a priori, seria inegociável? Em primeiro lugar, tem-se que levar em consideração o valor de uso. Basicamente, dizemos que valor de uso refere-se à utilidade que determinado objeto possui, independente do tempo de trabalho e das relações de produção envolvidas. Aqui, ao contrário do que Marx demonstrou ao se referir às mercadorias produzidas pelo trabalho humano, temos que considerar, a fim de obtermos uma breve noção do valor de uso da dignidade, o caminho histórico traçado com sangue e suor, o qual, para nossa análise, chamaremos de "trabalho socialmente gasto", pois que, com isso, seu valor de uso torna-se incomensurável, não podendo, de forma alguma,  ser quantificável, uma vez que, para aqueles que o produziram e que dele fazem uso necessário, suas qualidades não se equiparam a qualquer outra coisa.
Um determinado objeto com valor de uso vira mercadoria, quando é confrontado com um contexto de economia de trocas. Nesse caso, a mercadoria precisa ser quantificável, a fim de que seja possível sua circulação e câmbio. Dessa forma, o valor nada tem a ver com a propriedade natural da mercadoria, mas nasce de seu confronto com outros valores de troca cambiáveis. Nesse âmbito, recorremos novamente à noção de trabalho humano para podermos identificar paradoxalmente, uma vez que afirmamos acima que nosso objeto de reflexão não possui valor quantificável, e baseados justamente naquilo que determina, neste caso, o valor de troca, ou seja, o tempo de trabalho socialmente empregado na produção de uma mercadoria (no caso, a dignidade), uma pálida noção daquilo que é, por suas características históricas de construção, incalculável.
Posto isso, a priori, ninguém pode ser capaz de estipular um valor seguro para uma mercadoria cujo valor de uso e o de troca estão além da determinação de preços, uma vez que sua produção e circulação extrapolam diversos contextos históricos que indeterminam a precisão de seu valor.
No Brasil, surpreendentemente, a dignidade tem preço, que oscila, como a batata e o tomate, com a conjuntura: pode custar uma CPI contra o Ministro-chefe da casa civil, ou o apoio político em troca da presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias. É muita perversidade apreçar aquilo que não deveria ter preço. Quanto custa o amor? Ou a alegria? ou um perdão? Ou um filho? Ou um pai?
Judas, na verdade, foi um esperto, porque, para livrar a consciência de tais reflexões, determinou logo uma quantidade precisa de dinheiro pela vida do filho de Deus. Ninguém pode culpá-lo de dissimulação, nem de falta de empenho capitalista (cerca de 1800 anos antes do surgimento do capitalismo ocidental). Por trinta moedas, Judas vendeu Jesus Cristo. Por favores, nossos políticos têm vendido nossa dignidade.