sábado, 3 de julho de 2010

Cigarro

Postagem dedicada a Antonino Stropp, advogado, o qual aderiu à campanha 2 contos por 1 conto. Eis, Antonino, seu pagamento. Obrigado.


Geralda fumava desde os 3 meses de gestação. Sua mãe, quando descobriu que estava grávida, decidiu abandonar alguns vícios: largou o café, a bebida e o marido, mas conservou o cigarro. Na hora do parto, quase esperou que o obstetra dissesse "É um lindo maço de Malboro", mas era uma menina mesmo. Chamou-a Geralda. Desde tenra idade, a família de Geralda era constituída pela mãe, por um tio velho, um papagaio e o monóxido de carbono, além, é claro de uma constante rinite de causas desconhecidas. Na sua casa, poderia faltar pão, mas abundava o cigarro e a bendida rinite.

Quando criança, perambulava, com algumas coleguinhas, pelos botecos, esperando que os bêbados arremessassem as bitucas quase totalmente consumidas, na rua. Ela, então, corria, apanhava a piola e saía sorrindo, com a boca cheia de nicotina e saliva alheia. Por essa idade, fumava escondida, pois a mãe sempre lhe dissera que o cigarro fazia mal. Devia ser alguma mentira, pois, bastava ficar sem fumar, que a matriarca da família ficava com um humor do cão. Entendeu, a partir daí, que, mais que o dinheiro, o cigarro era quem trazia felicidade. Na escola, o vício de Geralda virou referência:

- Sabe a Geralda?
- Que Geralda?
- Uma loira.
- Uma loira?
- É. Uma loira de olhos azuis, cabelos batendo na cintura.
- Geralda... Geralda... Geralda... Lembro não.
- Geralda, uma que fuma pra caramba.
- Aaaah! A Geralda... Que tem ela?
- Foi pega roubando.
- Roubando? O quê? Cigarros?
- Não. Isqueiros.

Quando entrou na adolescência, Geralda queria ser a Audrey Hepburn. Boa atriz, carismática, bonita e FUMANTE. Quando assistia a seus filmes, procurava, nos créditos finais, a marca do cigarro fumado pela atuante principal. Coitada da Geralda. Tinha os créditos de cor, mas desconhecia quase completamente a trama da película. De Natal, ganhou uma piteira de marfim de sua mãe, que estava debilitada por conta de um atropelamento. Morreu em breve, a idosa, porque, na ala do hospital em que a velha ficou internada, não havia área para fumantes. Por conta disso, resolveu padecer em casa, na companhia da família e de um cinzeiro sempre abarrotado de bitucas.

Em seus devaneios, quando não tinha nada para fazer, exceto fumar, enviou, para o Congresso Nacional, uma proposta de criação do Bolsa-Nicotina, a fim de que os fumantes pudessem manter certo estoque para momentos de recessão financeira. Nessa época, a indústria do tabaco tornou-se sua melhor amiga, mas, nem por isso, forneceu-lhe cigarros grátis. Diziam que Geralda era mágica: bastava sacarem um cigarro do bolso, para que ela, inesperadamente, brotasse da terra, com olhar pidão, mão estendida e seu mantra conhecido: "Dá um trago?". Foi por esse tempo que começaram a chamá-la de Fumalda.

Com muito custo, alcatrão, nicotina e monóxido de carbono a 9mg, conseguiu se formar em medicina. Às vezes, assistia às aulas em pé, no corredor, porque era proibido fumar dentro da sala. Na colação de grau, sem querer, incendiou a bata da colega que estava sentada na cadeira ao lado. Foi um corre-corre desgraçado, mas, graças a Deus, Geralda conseguiu salvar a carteira de cigarros, que ainda tinha 17 unidades. Resolveu se especializar em neurologia, e esse foi o maior erro de sua vida. Ficava privada do vício durante cirurgias que poderiam demorar mais de dez horas. Certa feita, não agüentando a situação, antes de um procedimeto, foi conferir os objetos com a instrumentadora cirúrgica:

- Bisturi?
- Ok.
- Tesoura?
- Ok.
- Pinças?
- Ok.
- Afastadores?
- Ok.
- Cinzeiro?
- Hein?!

Sacou um do bolso e começou a incisão na cabeça do pobre infeliz anestesiado. Um corte, um trago, uma punção, outra tragada. Lá pela oitava hora de procedimento, operava o cinzeiro e jogava as cinzas no cérebro exposto do paciente. Obviamente foi demitida. Buscou consolo no sexo, porque, depois do gozo, nada melhor que acender um cigarro. Com esse costume, perdia todos os pretendentes e namorados. Sem emprego, sem amigos, sem namorados, mas sempre com o maldito fumo, decidiu parar. Foi à farmácia, comprou a mais cara pílula que prometia pôr fim ao seu vício. Chegou em casa e teve dificuldades de entender as instruções da bula. Optou pelo método mais fácil: pegou uma cartela, retirou um comprimido, acendeu-o e fumou-o. Foi a melhor tragada que dera na vida.

13 comentários:

FOXX disse...

vc sempre me lembra Veríssimo, o filho...

Antonino disse...

Ehehehehe genial! Você, como sempre, muito espirituoso. Dei boas risadas. Cliente satisfeito!

Att.
Antonino Stropp

Paula Lúcio disse...

Achei lindo. É sempre bom descobrir amigos escritores :)

Raphael disse...

Moisés, parabéns pela idéia de sucesso. Nada melhor do que mostrar seu trabalho e ainda ter um motivo maior para divulgá-lo. Parabéns e sucesso!

Uendry disse...

Rapaz... Concordo com a raposa ali acima! Veríssimo feelings.

Coitada da Geralda!

Não chego a tal patamar de vício, mas, de toda forma, vício desgraçado este, verdadeiramente!


Continue escrevendo, querido. Quero rir um pouco mais! ^^


Abraços.

Naraiana Santos disse...

O final não poderia ser melhor!

Adorei!

Edson Vasconcelos disse...

Boa, Moisas. Bom texto. Já aderi a campanha!

Bruno disse...

Pra sempre lindo e muito bem escrito.
Adorei a história.
Ás vezes, quando acendo um eventual cigarro me lembro de nós dois na sua varanda, falando merda e tragando.
Muito bom.


Beijos.

Helder Siqueira disse...

Eu ri MUITO! hehehehe

Onde faço o pedido de um conto?
Aliás, já tenho vários pedidos em mente! ^^

o/

Anônimo disse...

Poxa, Moisés... você tem um ótimo senso de amor... parabéns pelo conto, ficou muito bom. Parabéns pela idéia da campanha. Pretendo aderir, com certeza! Abraço.

Dôra Limeira

Anônimo disse...

Muito bom... acabei de imaginar um livro de contos de sua autoria.

Danilo.

Laudelino disse...

Gostei desse conto.

Verlan Veneno disse...

Não fumo, mas dei boas tragadas com o teu conto.