sábado, 26 de junho de 2010

Orgia livresca

Este é um texto que escrevi em 2006, quando fiz meu curso de Português no Zarinha Centro de Cultura. Não modifiquei o conteúdo, apenas realizei algumas correções no português. Pretendo também, como foi meu projeto inicial, continuar com a segunda parte deste conto. Eis, então, a primeira parte:



Todos sabem que livros só podem ser criados em cativeiro, assim como é de conhecimento geral o fato de que, por fatalidade do destino, nunca se encontrou uma forma de fazer com que se reproduzissem livremente em seu habitat natural. Trágico destino, ao contrário do que possa pensar o senso comum, incomodou durante muito tempo os folhosos, sem que estes expusessem seus descontentamentos pela ausência de vida sexual. Talvez a maioria não tenha percebido, mas toda biblioteca é, acima de tudo, ambiente de luxúria e devassidão. A leitura viola, sem dó nem piedade, o pensamento e a imaginação humanas. Aquele que não se deleita na lascívia e sensualidade de páginas e páginas de saber é dono de um coração amargurado, de cega consciência e de uma frigidez capaz de extinguir toda espécie de ser vivo que caminha por sobre a face da terra.

Cansados de ver sua existência depender dos métodos de laboratório, como máquinas de escrever, computadores, canetas, xerox e impressão, os livros decidiram promover um festim que lhes permitisse os prazeres da concepção sexuada. São desconhecidas, deste que vos escreve, as forças, diabólicas ou divinas, que impeliram os exemplares de cada título a saltarem de suas respectivas estantes e, pé ante pé, ou melhor, página ante página, reunirem-se em assembléia geral, para decidir os preparativos do celulótico bacanal. Ficou combinado que poderia comparecer toda obra que se sentisse à vontade e disposta a interagir com seus iguais. No dia, hora e local marcados, era tamanho o festival de papel impresso, que poria a Biblioteca de Alexandria em infinita vergonha.


Estavam presentes os mais variados volumes e títulos, todos ansiosos para gerar proles de folhetins e edições de bolso. Os primeiro casais começavam a se formar e já entravam imediatamente nas preliminares, pois o tempo era curto, e a gestação, menor ainda, uma vez que uma gravidez livresca não dura mais que alguns segundos. Havia um grupo composto por aqueles mais vendidos e pouco criteriosos, tratando-se, pois, de literatura barata e chula, de baixa qualidade e conteúdo duvidoso. A animação desta turba de promíscuos, que fazia exalar um cheiro de coito à flor da página, deu o direcionamento, mesmo para aqueles outros conjuntos de reconhecida eminência, da inusitada celebração licenciosa: uma orgia cultural.

Um comentário:

Danuza disse...

Adoro teu estilo de escrita...

Tu é o cara, porra! Lari que sou tua fã!