domingo, 13 de maio de 2012

Farofa de Cuscuz (conto inacabado)

- E então, doutor? Nasceu? É menino? É menina?
- É farofa de cuscuz.
- (...) Como?
- Sua esposa deu à luz uma linda travessa de farofa de cuscuz, Seu Jorge. O parto foi um pouco demorado, porque a enfermeira-chefe espirrou na hora em que a criança nasceu, e tivemos que juntá-la com uma vassoura e uma pá. Mas não se preocupe, que agora eles passam bem: sua mulher, o bebê e a enfermeira, que é alérgica a milho.
- É... O importante é ter saúde, não é, doutor?

Deram ao infante o nome de Emilho, com "lh" mesmo, porque acharam que esse seria um nome mais apropriado, dada as circunstâncias peculiares de seu nascimento. Demoraram a saber se era menino ou menina, mas, por causa de um pedaço de bacon, julgaram um pênis e optaram por garoto. No futuro, se percebessem que erraram no gênero, chamariam-na Emilha de Sabugosa, em homenagem aos dois personagens de Monteiro Lobato, afinal a música dizia "boneca de milho é gente, sabugo de milho é gente...". Farofa de cuscuz também é gente! Quem haveria de contrariar um clássico da literatura e da televisão?
Os problemas de Emilho, como vocês puderam perceber, começaram no momento do nascimento. Quando foram batizar a criança, notaram que ela inchou um pouco, quando o padre lhe jogou água benta. Os pais não reclamaram, pois foi um sacrifício convencer o cura a realizar o sacramento, uma vez que não constava, no cânone, que acompanhamento culinário merecia batismo.
Era uma criança muito quietinha, porém assaz dispersa. Dispersa mesmo, no real sentido da palavra. Bastava um vento mais forte, que lá ia Emilho para todos os lados. Certa feita, a empregada o aspirou por engano e foi um verdadeiro sacrifício retirá-lo do saco do aspirador. Na escola, apelidaram-no de Broa, Broa de Emilho, porque sabe-se que crianças podem ser maldosas quando querem ser. O maior desejo de seu pai era levá-lo à praia, mas, desde que ele caiu na areia e tiveram que peinerá-lo durante toda a tarde, seu genitor desistiu da ideia desses finais de semana idílicos e contentava-se em encher meia cuscuzeira de água e deixá-lo lá, no banho-maria, por pouco mais de duas horas. A mãe sonhava amamentá-lo, mas o pediatra e um chef de um restaurante árabe disseram que não cairia bem farofa de cuscuz com leite. Se fosse apenas cuscuz, até que seria aconselhável...
Na adolescência, a despeito de seu bom comportamento

domingo, 6 de maio de 2012

10 músicas para roer no fim de um relacionamento (Final)

5. Roberto Carlos - As canções que você fez para mim. De que adiantam essas campanhas demagógicas, se as canções que aquela miserável fez para você, não fazem mais o menor sentido? O rei Roberto já escreveu sobre taxistas, caminhoneiros, gordinhas, mulheres de quarenta. Ele é praticamente um Voltaire, um Diderot, um Rousseau, enfim, um enciclopedista da música popular brasileira. De tudo, ele fala e entende. Desta vez, o rei decidiu escrever uma música sobre as músicas que a amada fazia para ele. Essa canção é um tiro no ânus, porque traduz a "solidão, fim de quem ama", nos versos "eu acho que você já nem se lembra mais". Aperte o "play" e tente sobreviver.



6. Vanessa da Mata - Música. Ok, ok. Admito: estou apelando. Essa música é avassaladora, porque a voz é suave, e a melodia  nos traz, à memória, aquela velha ciranda do anel que "era vidro e se quebrou". É sobre isso que a música fala: tudo fenece, tudo se esvai, por mais sólido que seja. Exceto, é claro, as lembranças que, agora, são dolorosas. Vanessa, sua linda, espero que você morra lentamente. Cuidado, que essa canção é arma de destruição em massa.



7. Leoni - Os outros. Amor que não vai embora pior que espinha purulenta em dia de festa, pior que ranho em nariz de palestrante. O pior é que ninguém se compara ao objeto de nosso amor, por mais cretino(a) que ele/ela tenha sido. Até defeito a gente começa a comparar, esquecendo-se de que ninguém é igual, exceto na morte. E essa música engana, viu, minha gente? Não sei se foi Guatarri ou Deleuze (Edson, corrija-me, por favor) que disse que "nosso grande amor é sempre o penúltimo amor", ou seja, nenhum amor será o derradeiro (a não ser, é óbvio, aquele que antecede o fim da vida. Mas, assim como existe a licença poética, existe a licença patética, que permite que pessoas apaixonadas digam asneiras já desmentidas pelos pós-estruturalistas franceses.



8. Reginaldo Rossi - Garçom. O rei do brega, de fato, não é brega. Brega é corrente de prata featuring bermuda Saka Praia. Reginaldo Rossi é genial, minha gente. Ele transforma um bêbado desgraçado, jogado em uma mesa de bar, abrindo a própria intimidade para um desconhecido e, certamente, banhado em vômito e na própria miséria, em uma música belíssima. E digo mais: ele desmonta o estereótipo do machão, que não sofre, que é invulnerável. Reginaldo Rossi é desconstrução, meu povo! E isso é muito foucaultiano. (Foucault, como tudo aquilo "made in France", não pode ser brega).



9. Roxette - Spending my time. Direto da década de 90, para a infelicidade em que se encontra sua vida neste exato momento. Essa música é uma contradição, porque o ritmo dela é lento, devagar, mas, ao mesmo tempo, ela diz "spending my time watching the days go by". Trata-se daquela depressão que você sabe que a vida te atropela, porém você não dá a mínima cagada para isso, porque está ocupado(a) demais não fazendo absolutamente nada!



10. Alanis Morissette - Torch. Morra, Alanis, MORRA! Não deem o play! É uma cilada, Bino! Não há coração que aguente esse lamento digno do livro bíblico de Jó. Torch é a caixa de Pandora piorada, porque, depois de tantas lembranças, não haverá o feliz pássaro verde ao final. Pronto! Exemplo perfeito: já viram um palito de fósforo queimado? É uma desolação só: cliquem aqui. Depois de um gato morto, um fósforo queimado é a coisa mais desoladora do mundo, porque passa a ser exatamente o oposto daquilo que um dia foi. Pior: essa nova não-coisa, exatamente por sua não-coisisse, faz-nos lembrar o tempo todo, para nossa tristeza, a coisa anterior, em todo seu esplendor, que agora já não existe mais.